Neste ano, em junho, a Lei nº 9.656/98 completou 25 anos de vigência. Durante esse tempo, muitas foram as mudanças e avanços realizados pela normativa ao setor de saúde suplementar, dentre os quais destaca-se o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O mencionado rol, no contexto da referida lei, que surgiu com o intuito de regular os planos e seguros privados de assistência à saúde, emergiu como uma baliza mínima de coberturas médicas que deveriam ser concedidas pelas operadoras de planos de saúde aos beneficiários, o que, até então, não havia. Foi a partir dele que o setor de saúde suplementar passou a ser fortemente regulado e que, nesse contexto, as operadoras de planos de saúde passaram a se adequar e remodelar os contratos ofertados no âmbito da saúde suplementar.
A somar, a insuficiência do Sistema Único de Saúde (SUS) acarretou a busca por planos de saúde, de modo que, desde a década de 80, o sistema de saúde suplementar já cobria 22% da população total do país (Duarte, 2001, p. 367). Atualmente, segundo a ANS, o número de usuários registrados em planos de saúde é de aproximadamente 50,7 milhões de beneficiários, o que indica que foi mantido o percentual de cobertura da população que já despontava nos anos 80. Todavia, com o passar do tempo, o rol, que era baliza mínima de garantia aos beneficiários, passou a ser entendido como um critério de exclusão de cobertura pelos mesmos consumidores, vez que, aquilo que dele não constava, não seria concedido contratualmente.
Foi neste cenário que, em âmbito judicial, há cerca de 1 ano, o Superior Tribunal de Justiça definiu que o rol, elaborado pela ANS, seria, em regra, taxativo, ou seja, as operadoras de planos de saúde não estariam obrigadas a cobrirem tratamentos não previstos na lista. O contexto social, de forte apelo pelos consumidores, trouxe movimentações legislativas que culminaram na Lei nº 14.454/22, que alterou a Lei nº 9.656/98, ampliando a cobertura dos planos de saúde no Brasil. De acordo com o texto, é possível superar o rol da ANS, desde que, para tanto, haja comprovação da eficácia científica do tratamento recomendado ao beneficiário e plano terapêutico, ou, então, desde que haja a recomendação do procedimento médico pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou por outros órgãos avaliadores de tecnologias da saúde, desde que de renome internacional e com aprovação para os seus nacionais.
Entretanto, sem prejuízo disto, o fato é que não é possível afirmar que o rol da ANS simplesmente deixou de existir ou que seria de cunho meramente exemplificativo. Na realidade, a Lei nº 14.454/22 inseriu-se no bojo da Lei dos Planos de Saúde que tem, dentre as suas principais disposições, o mencionado rol. Mais que isso, é importante observar que um dos parágrafos estabelecidos pela Lei nº 14.454/22 traz o rol da ANS como referência básica de concessão de coberturas médicas. Quer dizer, segue sendo ele a principal baliza de coberturas de plano de saúde, sem prejuízo de sua superação, mas desde que exista o preenchimento dos requisitos legais.
Quanto às perspectivas de futuro, está em tramitação o Projeto de Lei nº 7.419/06, que visa aperfeiçoar a Lei nº 9.656/98, sendo composto por 260 propostas de alterações da legislação. Dentre as propostas de alteração está a concessão de cobertura farmacêutica, para alcançar terapias medicamentosas aos beneficiários. Entretanto, essa cobertura já é albergada para internações e tratamentos em ambulatório conforme o Rol da ANS, além de, em ambiente domiciliar, ser alcançada aos casos de câncer. Afora isto, novamente inserindo-se no bojo da própria Lei dos planos de saúde, o Projeto de Lei em questão mantém, não apenas o plano de saúde referência, como também as exclusões legais contidas no art. 10 e seus parágrafos, dentre as quais se situa a exclusão para medicamentos domiciliares não oncológicos.
Por todo este cenário, e afora as mobilizações sociais, o certo é que, mesmo as alterações legislativas que se propõem a aumentar o escopo de coberturas médicas, acabam por, necessariamente, vincular-se às disposições do rol da ANS, mantendo-o como referência. Nesse cenário, visando a manutenção do setor da saúde suplementar, o rumo a ser tomado deve ser o de harmonização entre interesses das operadoras de planos de saúde e beneficiários, até mesmo porque hipótese contrária acarretaria por desconsiderar a sustentabilidade empresarial da saúde suplementar, que alcança, como acima dito, o acesso à saúde de um quarto da população brasileira.
Carolina de Azevedo Altafini: Sócia do escritório Andrade Maia e especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Amanda Donadello Martins: Advogada no escritório Andrade Maia, mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) e especialista em Direito do Consumidor pela Universidade de Coimbra.
Lucas Funghetto Lazzaretti: Advogado no escritório Andrade Maia, pós-graduado em Direito Médico e da Saúde pela Faculdade CERS e Vice-Presidente da Comissão Especial do Direito à Saúde da OAB/RS.